FANTASMA ERÓTICO DA SOLEDADE

16:10



     Parou o carro na Avenida Serzedelo Corrêa, em frente à Escola Kennedy. Saltou para entregar uma encomenda. Ao retornar, consultou o relógio: 17:30 horas. Pensou - resta meia hora para encerrar o expediente. Se não desenvolver muita velocidade, vai ver que chegarei exatamente em cima da hora de bater o ponto. Quando ia entrar no carro - um velho jeep da repartição - notou um "psssssssssiu". Olhou ao redor e nada. Novamente:
     - Psssssssssiu!
     Voltou a olhar. Reparou que o chamado vinha do outro lado da rua, mais precisamente da porta do Cemitério da Soledade. Ali, bem em frente à porta, estava uma mulher aparentando seus 30 e poucos anos. Quando seus olhos se encontraram, olhou para um lado e para o outro e para trás de si mesmo, pensando que o chamado se dirigia a outra pessoa. Olhou de novo para a mulher, e esta, apontando com o dedo, deu a entender que era o próprio que estava chamando. De relance, viu o relógio, pensando: - Mas logo agora!
     Rapidamente atravessou a rua.
     - A senhora esta me chamando?
     - Estou sim. Preciso de seu auxílio.
     - E em que poderei ajudá-la?
    - É o seguinte: eu não sou de Belém. Vim aqui passar poucos dias e queria conhecer o túmulo de meus avós que estão sepultados neste cemitério. Mas confesso que fiquei receosa de entrar sozinha. Já é um pouco tarde, e o cemitério está deserto. O senhor poderia fazer o grande favor de me acompanhar até lá dentro?
     Contrariado, pensando que o expediente chegava ao fim - Flávio estava apressado a fim de chegar em casa - e ele ainda teria que se demorar, custou um pouco a responder. Refletiu e, visto que a mulher não era de Belém e não ficaria bem não ser hospitaleiro, acabou aceitando acompanhá-la.
     - E a senhora sabe onde é a sepultura?
     - Não, não sei. O nome dele era fulano de tal. Mas, se não for muito incomodo para o senhor, procuraremos. Afinal, o cemitério não é tão grande!
     Ato contínuo, seguiram para a ala esquerda, vendo e examinando as sepulturas, procurando o nome que a mulher havia dado como sendo o do seu avô. E, na busca, percorreram todo o cemitério. Em alguns túmulos demoravam-se um pouco, como o do General Gurjão, o da Preta Domingas, o do Menino Cícero, o de Raimundinha Picanço. A mulher perguntava quem eram, e Flávio explicava que o primeiro havia sido herói na Guerra do Paraguai, e os outros três eram considerados milagrosos pelo povo, a quem faziam culto as segundas-feiras, solicitando graças. A mulher parecia não mais querer sair dali, e Flávio, já arrependido de ter se mostrado hospitaleiro e cavalheiresco, só pensava em ir embora.
     - Mas que raios! pensava - acertou logo comigo. Tanta gente nesta cidade e havia justamente de ser eu a passar ali naquele momento. Tomara que ela ache logo, que me vou.
Mas a pesquisa terminou e não foi encontrado o túmulo dos avós da mulher. Satisfeito, pensando que já ia, Flávio falou:
     - É. Parece que não é aqui, não. Naturalmente Ihe informaram mal. Deve ser lá no Santa lzabel. A senhora naturalmente vai procurar amanhã.
     - Não, não me enganei, não. Apenas talvez não esteja sepultado em túmulo e sim seus ossos estejam numa uma funerária. Onde será que as guardam?
     - Francamente, não sei.
     - Olhe, talvez seja ali, disse a mulher apontando para a ala lateral à Capela do cemitério. Só mais um minuto, está bem?
     - Está, mas não posso demorar muito. Meu expediente na repartição já terminou e devo bater o relógio de ponto.
     - É só um minutinho...
     E dirigiram-se para a sala onde eram guardadas as umas funerárias. Entraram. Hora crepuscular, quase mais nada se via na sala. Mesmo assim, a mulher, sempre chamando Flávio, dirigiu-se para a parte dos fundos. O homem seguiu-a.
     Olhou determinada urna e disse:
     - Parece que é esta. Venha ver.
     Flávio foi, agradecendo a Deus haver terminado aquela via crucis atrás da ossada de um defunto que ele não havia conhecido e nem tampouco ouvido falar. Afinal, com 51 anos no costado, mesmo sendo motorista profissional, era a primeira vez que se via naquela situação.
     Quando estava próximo à urna, tentando ler o nome inscrito na parte superior, ela chegou-se a ele, até quase colar os corpos. E, inesperadamente, abraçou-o e começou a apalpá-lo, ao mesmo tempo em que tentava beijá-Io...
     - Meu querido ...
    Apanhado assim, de surpresa, naquele local ao mesmo tempo sacro e sepulcral, Flávio não soube o que pensar.
    - ... tenho 51 anos ... mas logo comigo ...? ... não sou bonito... por que...?... logo aqui...?... será que é doida...?... por que ? ... logo eu... por que aqui...?... Tanto homem jovem por aí...... por que ...? .. tanto lugar para fazer amor ... logo aqui ...!
     Num relâmpago, pensava todas essas coisas, enquanto era apalpado por todas as partes do corpo, principalmente no sexo. Rapidamente se recobrando, Flávio a empurrou com violência ... - Mas que é isto? Respeite ao menos o lugar...

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Saltou para trás, procurando a porta. Ao alcançá-la, de costas, procurou ver a mulher. Para seu espanto, tal como se fosse fumaça, ela desaparecera... Apenas as urnas funerárias continuavam em seus lugares nas prateleiras e ... nada mais ...
     Flávio gritou, ao mesmo tempo em que procurava o portão de saída. Correu olhando para trás ... porém, inútil! Ninguém o seguia; a mulher desaparecera mesmo.
     Nervos tensos, tomou o jeep. Mas não conseguia controlar seus movimentos. Esperou alguns minutos, e, tão logo pôde, arrancou, imprimindo tal velocidade no jeep que chegou rapidamente ao local de trabalho.
     Os funcionários retardatários que ali estavam viram chegar um Flávio irreconhecível, sem a costumada serenidade, sem a voz calma de sempre. Flávio procurava falar tudo de uma vez, querendo contar aos companheiros o ocorrido ...
     No dia seguinte, Flávio não foi trabalhar. Nem no outro. Nem no que o seguiu. Procuraram notícias junto aos familiares. E então souberam ...
     Estava internado há três dias no Hospital da Beneficente Portuguesa. Com alta febre ... Delirando ... Dizendo coisas estranhas ... que um fantasma de mulher o quis amar dentro do Cemitério da Soledade...

Por: Walcyr Monteiro

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